Cocaína e mais 34 contaminantes são encontrados na Lagoa da Conceição, em Florianópolis

Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) identificou 35 contaminantes emergentes na Lagoa da Conceição, em Florianópolis. Entre as substâncias, cafeína, medicamentos antibióticos, analgésicos e cocaína se destacam. As amostras foram coletadas na área próxima à estação de tratamento da Lagoa de Evapo Infiltração (LEI), da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan).
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Durante a pesquisa foram detectados metabólicos de drogas ilícitas. A benzoilecgonina, principal metabólito da cocaína, e a própria cocaína foram relatadas em amostras de água, sedimentos e biota — conjunto de organismos que habitam um determinado local.
As substâncias da cocaína foram observadas em 63% das amostras analisadas. O estudo Outro relatório da UFSC, realizado ano passado, identificou a presença dessas substâncias em águas costeiras do Brasil, e até em tubarões da costa brasileira.
A professora Silvani Verruck, do departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos da UFSC, liderou a pesquisa. Ela explica que a proposta do estudo é avaliar o impacto ambiental e a situação do ecossistema, acompanhando a recuperação e sugerindo formas de amenizar ou resolver problemas decorrentes do desastre.
— Existem regiões em que a biota natural se alterou fortemente por conta disso. Somando crescimento da população e as atividades turísticas, é necessário seguir acompanhando — completa.
Por isso, a equipe optou por estudar os contaminantes que não são tão pesquisados como costumam ser os agrotóxicos e metais pesados.
— São produtos que usamos diariamente e são enviados para os sistemas de tratamento — comenta.
O estudo teve colaboração do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa, Tecnologia e Inovação de Santa Catarina (Fapesc). Ele foi publicado no início de fevereiro e começou logo após o rompimento da lagoa de tratamento, em fevereiro de 2021. A iniciativa faz parte do Programa de Recuperação Ambiental proposto pela Casan como forma de compensar as consequências do desastre.
Tubarões de bico-fino tinham resquícios de cocaína no corpo
Como o estudo foi conduzido
O estudo parte, também, de um contexto mundial, já que há países, particularmente na Europa, que estão mais atentos ao problema dos contaminantes emergentes devido à escassez de água potável, segundo a professora. Esses países tentam viabilizar formas de eliminação destes resíduos, segundo a professora.
Para detectar os contaminantes, o estudo partiu de um método com uma abordagem capaz de identificá-los de forma simultânea. Enquanto há estudos que focam em um contaminante só, o método utilizado pela UFSC identifica 165.
O pesquisador Luan Valdemiro Alves de Oliveira é um dos autores do estudo, que faz parte da tese de doutorado dele, pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência dos Alimentos da UFSC. Ele explica que esse processo de identificação contou também com etapas de confirmação.
Utilizando a cromatografia líquida acoplada e espectrometria de massas, os pesquisadores realizaram triagens qualitativas e quantitativas para identificar e quantificar os contaminantes. Esse equipamento permite que as amostras registrem os elementos encontrados na água.
As amostras foram coletadas em pontos estratégicos da Lagoa da Conceição, em Florianópolis, considerando áreas próximas à estação de tratamento de esgoto, às áreas urbanizadas e às regiões de maior biodiversidade. Para Luan, ainda que não hajam dados anteriores ao momento do desastre, as áreas mais urbanizadas registram volumes significativos de contaminantes, o que pode também ter relação com o impacto da atividade turística.
A cafeína foi o elemento em maior concentração, seguida pela ciprofloxacina, antibiótico utilizado em infecções causadas por bactérias. A clindamicina, outro antibiótico, e o diclofenaco também foram detectados.
As concentrações são medidas na ordem dos nanogramas, que equivalem a um bilionésimo de grama, mas o que preocupa os pesquisadores é a ausência de uma métrica a partir da qual uma determinada concentração possa ser considerada adequada e segura.
— Nós estamos sendo expostos a várias moléculas. É um desafio entender o que, no longo prazo, elas podem acarretar à nossa saúde — comenta Silvani.
Algas, crustáceos e peixes podem estar contaminados
Os riscos ecotoxicológicos foram avaliados por meio de um método que revelou potenciais danos significativos aos organismos aquáticos. Compostos como o diclofenaco e a cafeína mostraram altos riscos tanto para exposições agudas quanto crônicas, podendo afetar algas, crustáceos e peixes. Esses resultados indicam que a presença desses contaminantes compromete a saúde e a biodiversidade do ecossistema aquático local.
A ciprofloxacina foi identificada em amostras da biota coletadas pela equipe do estudo, mas a metodologia sugere que, nas concentrações encontradas nos peixes, não representaria um risco significativo para a saúde humana. No entanto, o estudo adverte que “é crucial monitorizar continuamente a acumulação destes compostos em alimentos amplamente consumidos pela população local para avaliar potenciais impactos na saúde humana”.
— A quantidade de resíduos que estamos encontrando está afetando diretamente a vida local. Ecologicamente, isso é muito preocupante para o meio ambiente, especialmente para peixes e outros animais — sintetiza Silvani.
Segundo a professora, esses contaminantes podem interferir na reprodução, causar toxicidade e desenvolver problemas de saúde, sejam eles agudos ou crônicos.
— Precisamos olhar para essas moléculas de forma regulatória, chegando ao ponto de estabelecer limites claros para que não saiam das estações de tratamento em concentrações prejudiciais. O ideal é um acompanhamento regular para garantir que esses riscos sejam minimizados — pondera.
Os pesquisadores também mapearam a presença das chamadas “drogas de abuso” ou “drogas ilícitas”, sendo particularmente relevante a presença da cocaína entre as amostras coletadas. Essa equipe já estava trabalhando com a identificação da droga em grandes animais marinhos, como os tubarões da Bacia de Santos.
— Neste artigo, ainda não divulgamos a quantidade, pois fizemos outras análises. Vai sair um novo estudo quantificando o que encontramos. Esse é um resíduo comum na América Latina, mas essa quantidade foi bastante expressiva. As concentrações [encontradas na Lagoa da Conceição] estão entre as mais altas reportadas no mundo — comenta Silvani.
A pesquisa realizada com o apoio da Fapesc está em fase final, mas as descobertas podem ter um impacto na discussão sobre a regulação ambiental e também sobre a qualidade do saneamento básico.
O laboratório tem propostas e soluções em escala piloto para aperfeiçoar o tratamento da água e, com isso, eliminar esses contaminantes: uma delas é um sistema de destilação de água a base de luz solar, o REACQUA, que gera água pura para reuso sem consumo de energia.
Este equipamento opera no pátio do Centro de Ciências Agrárias (CCA) da UFSC, no bairro Itacorubi, em Florianópolis, e foi utilizado no tratamento das águas com contaminantes emergentes coletadas na Lagoa da Conceição. O dispositivo apresentou resultados de excelência, zerando os contaminantes.
— Nós queremos estudar como remover esses contaminantes de uma forma barata. Hoje, é possível fazer esse processo com utilização de membranas no final do tratamento, mas é algo caro e implica naturalmente num custo elevado. Nossa proposta é tentar usar uma forma mais barata, por isso fizemos este teste em escala piloto — explica Silvani.
*Sob supervisão de Andréa da Luz
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