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Menos de 8% dos treinadores são negros na elite do futebol brasileiro

Ao todo, seis técnicos negros ou pardos estiveram entre os 81 profissionais que comandaram equipes das Séries A e B do Brasileirão em 2024
20/11/2024 - 07:00 - Atualizada em: 19/11/2024 - 16:29
Hemerson Maria e Roger Machado (Foto: Rodrigo Philipps e Ricardo Duarte)

Símbolo histórico de grandes ícones negros do Brasil, o futebol segue sendo berço de talentos pelos campos do país, que ano após ano se consolida como um grande exportador de jogadores de futebol. E assim como Pelé, Rivaldo, Ronaldinho e tantos outros que conquistaram o topo do mundo no passado, o principal nome do esporte no país continua sendo um atleta negro: Vinicius Junior, considerado por muitos especialistas o melhor jogador do mundo na atualidade.

Mas se dentro das quatro linhas existe abundância de representatividade, na área técnica a história é bem diferente. Um levantamento da Rádio CBN Joinville neste 20 de novembro, data em que pela primeira vez a Consciência Negra é celebrada em forma de feriado nacional, demonstra a falta de oportunidades para treinadores negros no país do futebol.

Considerando a temporada 2024, um total de 81 profissionais diferentes estiveram no comando das 40 equipes que disputam as Séries A e B do Brasileirão, elite do futebol nacional. Destes, apenas seis treinadores se consideram negros ou pardos: Roger Machado, Jair Ventura, Luizinho Vieira, Marcelo Cabo, Hélio dos Anjos e Pepa.

Para Luciano Jorge de Jesus, do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, os casos de racismo no futebol brasileiro têm aumentado nos últimos anos, mas isso não deve ser visto como uma forma isolada. Ao mesmo tempo onde se apresenta um aumento nos casos, a sociedade está mais atenta a estas ocorrências. A construção do racismo na sociedade possui complicadores, principalmente na retratação do corpo negro.

— Se um atleta negro só consegue ser notado como alguém que é simplesmente força bruta, que é simplesmente aquele atleta que faz tudo de forma improvisada, intuitiva, como que esse cara vai ocupar o lugar da gestão que pressupõe a ideia de planejamento, organização, liderança e outros aspectos que estão ligados à gestão do mundo do futebol? Quer dizer, se existem poucos técnicos negros na série A, B, C e D do futebol brasileiro, significa que a forma como o racismo se constrói em nossa sociedade é ainda mais complexa do que o xingamento — explica Luciano.

Na primeira divisão do futebol nacional, apenas dois treinadores negros tiveram oportunidades entre os 35 que comandaram equipes na elite nacional neste ano. Roger Machado começou a temporada no Juventude e atualmente comanda a arrancada do Internacional, melhor time do returno. Jair Ventura, por sua vez, começou a competição no Atlético-GO, passou também pelo Juventude, antes de ser demitido no fim de outubro.

Em recente coletiva de imprensa, Roger Machado abordou o tema da representatividade racial e analisou o tabu que ex-atletas negros enfrentam ao encerrarem suas carreiras, partindo para fora das quatro linhas. 

— O racismo para mim se cristaliza quando o campo acaba e a gente consegue perceber indivíduos de diferentes cores ascenderem socialmente em diferentes sociedades. É onde os filtros começam. Um ex-atleta branco consegue se esconder e eu não consigo. Minha cor me denuncia. O futebol talvez amplifica em todas as formas como somos como sociedade, as coisas boas e as coisas ruins — afirmou Roger.

Técnico negro no Catarinense 2025

Faltando pouco mais de um mês para o início do Campeonato Catarinense 2025, os doze clubes da elite estadual contam com apenas um técnico negro e outro pardo no comando de suas equipes. Recentemente, o Joinville anunciou o retorno de Hemerson Maria, para sua terceira passagem pelo clube. Já o Brusque é comandado por Marcelo Cabo, que, após o rebaixamento para a Série C, ainda não sabe se permanecerá no cargo para o estadual.

O técnico do JEC já se pronunciou sobre o tema, destacando que as ofensas raciais muitas vezes aparecem de forma velada. Para Maria, no entanto, é necessário continuar buscando espaço e representatividade na função.

— Eu ouvi coisas que meus colegas não ouviam. Diziam, por exemplo, que eu não era técnico para esse ou aquele time, então a gente precisa continuar essa luta para ocupar o nosso espaço na sociedade. Não é vitimização. É algo que todos sentem. Enquanto os outros ‘matam um leão por dia’, nós temos de ‘matar dois leões e um urso por dia’ — afirma Hemerson.

O Dia da Consciência Negra, neste 20 de novembro, marca a morte de Zumbi dos Palmares, um dos símbolos nacionais pela resistência à escravidão e enfrentamento ao racismo. Em 2011, a data entrou no calendário oficial e passou a ser celebrada como o Dia da Consciência Negra. A data já era considerada feriado em alguns estados e municípios, mas foi somente em 2023 que o Congresso Nacional aprovou a lei que transformou o Dia da Consciência Negra em feriado nacional. Em 2024, a data está sendo comemorada, pela primeira vez, em todo o país.

Polêmica da Bola de Ouro

Em 28 de outubro, o mundo do futebol conheceu o melhor jogador da temporada 23/24. A “Bola de Ouro”, o mais renomado prêmio do mundo do futebol, reconheceu Rodri, jogador espanhol que atua no Manchester City, como o novo melhor do mundo. A premiação foi marcada por polêmicas e protestos, já que Vinícius Júnior, protagonista do Real Madrid, era dado como favorito ao prêmio de melhor da temporada.

Para Luciano, após a entrega do troféu ao jogador espanhol, a cerimônia se tornou ainda mais eurocêntrica.

— O processo de escolha de jornalistas para poder fazer esse trabalho, ela é intencional. Então isso diz muita coisa, sobre primeiro, o fato de ser um prêmio eurocêntrico. Ou seja, um prêmio que você tem muitos homens brancos europeus que estão elegendo atletas, isso já mostra pra gente qual é o tipo de escolha que vai ser feita — comenta.

Para o membro do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, a escolha da Bola de Ouro foi uma escolha racista.

— Algumas pessoas não vão entender isso como racismo, porque elas entendem racismo quando o foco está fechado no ato discriminatório. Além disso, não conseguem entender porque não entendem racismo enquanto relação de poder. Então, se não entende o racismo nessa relação, não vai entender que a escolha entre Rodri e Vini é uma escolha eurocêntrica. E, nesse sentido, é uma escolha racista — conclui Luciano.

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